Não é nenhuma hipérbole dizer que existem poucas pessoas que contribuíram para a cultura e o entretenimento Japonês tanto quanto Shigeru Mizuki. Autor, mangaká e historiador, Shigeru nasceu no dia 8 de Março de 1922. Cresceu com um interesse no sobrenatural, encorajado por uma senhora da vizinhança, e um fascínio e domínio pelas artes, mas infelizmente sua carreira seria pausada cedo.
Aos seus 20 anos, antes mesmo de começar a desenhar profissionalmente, Mizuki foi convocado para o Exército Imperial Japonês, para lutar em Papua Nova Guiné. Seu tempo enquanto soldado o afetou vorazmente. Ali, ele contraiu doenças, viu amigos morrerem e presenciou todos os horrores da guerra. Porém, um dos eventos que mais marcaram sua vida foi em um ataque aéreo dos Aliados (coalizão da Segunda Guerra Mundial), onde foi atingido em uma explosão e acabou perdendo seu braço esquerdo.
Suas ações e vivências na guerra mudaram sua mente, tornando-o um pacifista, isto principalmente após receber uma repreensão por ter sido o único sobrevivente de seu batalhão. Mas falaremos disso mais tarde.
Seu primeiro trabalho como mangaká foi em 1957, com Rocketman, já demonstrando dois dos pontos pelos quais ficaria conhecido posteriormente: sua relação com a guerra e com o espiritual, principalmente com os yokais.
“Se Osamu Tezuka é o Deus dos Mangás, Shigeku Mizuki é o kami” – Jason Thompson
Neste ponto, é um tanto quanto complicado trabalhar com traduções destes dois termos. Não há um equivalente em português para o que são os yokais, assim como, se pegarmos “deus” e colocarmos no Google Tradutor, a resposta será “kami”. Mas vamos tentar.
Yokais são criaturas folclóricas japonesas, sobrenaturais dos mais diversos tipos. Podem ser agressivas, amigáveis ou apenas brincalhonas. É uma vasta classe, com incontáveis criaturas. Entre as mais conhecidas estão as Kitsunes, raposas que podem possuir até nove caudas e que são muito sábias, podendo também se transformar em humanos para enganá-los; Tanukis, cães-guaxinim brincalhões que adoram saquê; Tengu, criaturas de pele vermelha e nariz comprido, conhecidos por tentar atrapalhar monges budistas; e Onis, seres fortes com presas e chifres, além de um tacape chamado kanabo.
Se algumas das descrições lhe é familiar de algum anime como Naruto, Kamisama Kiss e Demon Slayer, ou até mesmo o contexto de yokais com Inuyasha ou Nura: A Ascensão do Clã das Sombras, é justamente porque os yokais se tornaram parte fundamental do entretenimento e dos mangás.
E tal chamariz começou justamente com Gegege no Kitaro, a obra máxima de Shigeru Mizuki, publicado em 1967. O autor mesclou seus princípios a seus interesses, trabalhando em uma obra na qual os yokais só apareciam em momentos de paz, o que mostrava os pensamentos anti-bélicos do artista.
O sucesso e importância de Shigeru Mizuki para com a disseminação da cultura dos yokais é tamanha que em sua cidade natal, Sakaiminato, existem centenas de estátuas de bronze dos yokais que ele desenhava, além de um museu e uma estátua do próprio Mizuki. Na década de 70, Mizuki desenhou uma enciclopédia de yokais, amplamente ilustrada, que até hoje é referência para pesquisas primárias sobre o assunto.
No Brasil, suas duas obras publicadas são bastante autobiográficas, contando sobre experiências que teve em vida: Nonnonba, na qual um pequeno garoto conversa com uma senhora da vizinhança que o ensina e o encoraja sobre o mundo dos yokais (assim como a senhora referida no começo deste texto, cujo apelido também era Nonnonba); e Marcha para a Morte, que mostra a vida de um pelotão que acaba sobrevivendo a um ataque e precisa lidar com isso.
Em entrevistas, Shigeru afirmou que, quando foi o único sobrevivente no ataque que viveu no exército, lhe foi ordenado que morresse por seu país, algo que ele acreditou ser ridículo.
Suas publicações não ficam apenas no ramo fictício. Mizuki escreveu mangás sobre a história de Hitler e um mangá de 8 volumes sobre seu crescimento durante a era Showa (1926-1989), além de outras obras.
Hoje, dia 8 de Março de 2022, completaria 100 anos. Shigeru infelizmente veio a falecer em 2015, em decorrência de um ataque cardíaco. Em 2012, aos 90 anos, continuava escrevendo sobre as criaturas que tanto amava e espalhando sua mensagem de pacifismo ao mundo. Esperamos que esteja se divertindo com elas.
Descanse em paz, Mizuki-sensei. Obrigado por tudo.