Conhecendo a iniciativa Shonen West

No dia 21/07, uma iniciativa conhecida como Shonen West foi ao ar. O projeto se trata de uma nova plataforma para publicações de quadrinhos nacionais com fortes inspirações do mangá, mas também performa como uma revista digital homônima para publicações periódicas. 

A iniciativa chamou atenção por sua aliança com diversos influenciadores de cultura pop japonesa, além da parceria com a Me2Art Studio, escola de cursos profissionalizantes de quadrinhos; e da editoração-chefe de Maurício Ossamu, autor que trabalhou como assistente de Tetsuo Hara durante a serialização do mangá Hokuto no Ken.

Nos últimos dias, a Shonen West  ganhou destaque ao divulgar o apoio de um mangaká japonês, Boichi. A revelação foi feita com um vídeo do próprio autor de Dr. Stone. A equipe da Mangateria entrou em contato com Araújo, idealizador da Shonen West, para entender o que exatamente significa na prática o apoio deste autor.

Araújo responde que, neste momento inicial, a participação de Boichi “tem um caráter simbólico para causar uma injeção de ânimo aos quadrinistas que gostam do projeto e para que estes tenham um pouco mais de confiança em seus trabalhos”. O idealizador também comenta sobre suas experiências anteriores como treinador esportivo, falando da diferença que “motivação e a autoconfiança pode trazer no trabalho de um atleta, e sobre como uma palavra amiga motivacional de uma pessoa que os atletas respeitam pode fazer a diferença para que eles se dediquem com mais intensidade”. De acordo com ele, “a resposta do apoio do mangaká trouxe um grande retorno positivo para a editora, aproximando o público brasileiro que gosta de mangás de seus ídolos japoneses, e eliminando a sensação de que nós estamos sempre olhando para os quadrinhos japoneses, mas não tem nenhum japonês olhando para os nossos quadrinhos”.

Porém, apesar de simbólica neste momento, haverá uma participação mais prática do Boichi em alguma coisa no Brasil que ainda não pôde ser revelada. A previsão de revelação é dentro dos próximos dois meses. Por fim, Araújo comenta que o mangaká não trabalhará nos bastidores da revista fixamente, porém, não é descartada a possibilidade de Boichi esporadicamente ou espontaneamente analisar algumas obras da revista.

A equipe da Mangateria aproveitou a oportunidade para tirar dúvidas sobre outras questões do funcionamento do projeto. Foi relatado que, antes de tudo, “a Shonen West entende que a realidade do Brasil é diferente da realidade do Japão, portanto, uma cópia do sistema de publicação japonês não funcionaria e seria necessário uma adaptação geral”.

Perguntamos também sobre a impressão que pode ter sido causada de que “Alguém precisar vir de fora para ensinar o Brasil como fazer quadrinhos” e a resposta foi que, na visão da Shonen West, este ponto é mais focado na parte de produção do que na parte artística, uma vez que o Japão possui um dos maiores mercados de quadrinhos do mundo. A organização do projeto entende isto como a humildade de compreender que, do ponto de vista de produção, o Brasil não possui tanto conhecimento quanto o Japão e, por isso, precisa “abaixar a cabeça” e aprender esta parte com eles, não como subserviência, mas como agregador de conhecimento. 

Em alguns momentos da comunicação oficial do projeto, também, a escolha de expressões acabou causando uma impressão de submissão aos japoneses, e Araújo explica, citando o exemplo perguntado pela nossa equipe, onde o vídeo de divulgação diz que o segredo para se produzir quadrinhos é o que “os japoneses chamam de know-how”, sendo esta uma palavra empresarial comum. O idealizador comenta que escolheu falar desta forma já que, em uma conversa com Maurício, o professor comentou que nas reuniões japonesas se usa esta expressão, enquanto por aqui alguns chamam de expertise, outros de experiência. Ele finaliza dizendo que a impressão de submissão aos japoneses pode ter sido causada também por uma insuficiência de comunicação e ressalta que as apresentadoras do projeto não têm culpa alguma quanto a isso.

Araújo ressalta que a ideia da Shonen West é criar “um ecossistema que possa ajudar artistas, com coisas como a parceria com a Me2Art Studio”, já citada, e comentou que quer que mais iniciativas como a Fliptru, Shonen West, Action Hiken e Ilustra-Dô surjam. Diz também que sonha com um mundo ideal, em que haverá o momento no qual artistas poderão escolher onde querem publicar dentre as iniciativas, baseando-se principalmente nos valores de cada uma e no tipo de história de cada uma, e não apenas no fato de que existem poucas.

O idealizador também entende que a questão mercadológica do quadrinho brasileiro se trata de um esforço coletivo, e não querem que o público pense na iniciativa como uma “alternativa messiânica” ou “a única que vale”. A ideia central da Shonen West é ser mais uma iniciativa para somar às já existentes. Ainda menciona que as imagens de divulgação, tanto do Estúdio Armon quanto da Fliptru, adicionadas ao final da revista digital foram colocadas sem custo às iniciativas em questão, mesmo aquele sendo um espaço voltado ao marketing e à propaganda comercial. 

Buscando entender como funcionará a publicação independente na Shonen West, perguntamos mais sobre o assunto e nos foi dito que existem dois tipos de modelo de publicação: a publicação na revista e a publicação no site. Para ser publicado em qualquer um deles, é necessário passar por uma análise da equipe do projeto.

Ambas as publicações receberão editoração direta de Maurício Ossamu, editor-chefe do projeto, e a principal diferença entre elas será a liberdade de prazo. Ao entrar na revista Shonen West, o autor se compromete contratualmente a manter um lançamento mensal, enquanto o site tem um lançamento mais flexível, mas também previamente estabelecido por contrato. A revista, entretanto, é o produto principal da iniciativa, portanto, o local onde terá mais investimento de marketing.

Devido a obrigação mensal, perguntamos quais os tipos de cuidados que serão tomados referentes a saúde dos quadrinistas e Araújo comentou que, por também ser quadrinista, não pode permitir que as pessoas passem pelas insalubridades de trabalho que ocorrem em revistas de quadrinhos japoneses, nem quer que o seu projeto seja o responsável por trazer este mal à produção brasileira.

Um dos fatores mencionados para evitar a insalubridade que ocorre nas condições de trabalho japonesas é o controle da quantidade de páginas. Enquanto uma publicação semanal lança em média 19 a 21 páginas no Japão, Araújo nos disse que a recomendação que a SW dá para os artistas é de 20 páginas por mês. Caso o artista sinta que possa fazer mais que isso, ele é livre, respeitando a condição de cada um, porém, caso os editores vejam que este excesso do que se é pedido esteja causando um desgaste do autor, a equipe irá intervir. Porém, reafirma que é necessário que haja uma constância para que o público continue engajado no produto.

Ao nosso ver, outro fator importante para garantir a saúde do autor é a antecedência na criação do capítulo, para, caso aconteça algo com o artista durante o mês, ainda possa receber o pagamento pelo que foi publicado. Ao perguntarmos sobre a antecedência na publicação de capítulos, nos foi respondido que esta é uma questão que varia de caso para caso, a depender da disponibilidade e até mesmo da ansiedade do autor. Existem algumas obras que já estão com o próximo capítulo pronto e o rascunho do posterior finalizado, enquanto  outros títulos estão tendo seus capítulos finalizados agora para serem lançados em agosto. Porém, existe uma recomendação da editora de se criar um “capítulo de margem de segurança”. Além disso, este cronograma é organizado entre o autor e o editor, sendo que o autor tem mais poder de fala nesta decisão.

Por fim, perguntamos sobre como funcionará a remuneração dos artistas, e Araújo nos disse que a proposta é ser um relacionamento B2B, ou seja, empresas para empresas, sendo uma empresa a Shonen West e a outra o “estúdio do Artista”. Não há contratações CLTs. Neste momento, por se tratar do começo da editora, não estão exigindo o cadastro MEI, pois nem todo artista possui esse tipo de cadastro agora tão cedo, mas que será uma obrigatoriedade futura. Araújo também comentou que existe um time jurídico para auxiliar os artistas selecionados a abrir o MEI. Araújo ressaltou que dentro dos pagamentos recebidos pela editora, os últimos a serem remunerados serão ele e seu sócio, priorizando assim a gratificação dos artistas.

De acordo com a Shonen West, o pagamento dos artistas será definido por sua popularidade dentro do sistema interno. A revista terá um ranking, no qual apenas os assinantes poderão votar em sua obra favorita do mês. A partir deste ranking, o percentual de pagamento dos artistas será calculado. O assinante pode votar tanto em um quadrinho lançado na revista quanto em um lançado no site, sendo que o ranking é compartilhado entre os dois, portanto, obras do site disputam contra obras da revista pelo mesmo ranking de popularidade.

A iniciativa enfatiza que o pagamento será calculado percentualmente com base na receita total gerada pelos assinantes daquele mês, não somente nos lucros. Após os artistas serem pagos serão descontados do valor total da receita os custos operacionais.

A posição no ranking não será, entretanto, a única forma de medição para a remuneração dos artistas. Nos foi dito que já existem planos para o licenciamento de produtos dos quadrinhos da revista, com base na popularidade do quadrinho, sendo que os artistas receberão os devidos royalties em cima dos produtos licenciados, tudo acordado previamente com o próprio artista.

Porém, assim como em revistas como a Weekly Shonen Jump, ou a própria Shonen Mangaká-Dô BR, séries com pouca tração de público podem ser canceladas na revista principal. Caso isso ocorra, os direitos da obra serão entregues totalmente para o artista. Séries publicadas no site, ou seja, fora da revista, não têm este risco.

A Shonen West também terá um Índice que será relacionado a popularidade, tal qual a TOC da Shonen Jump, porém, assim como a Jump, o índice da revista não reflete necessariamente a ordem de popularidade e votos, sendo apenas um dos vários parâmetros que determinam a ordem de aparição das obras na revista. A decisão final é editorial, sendo o ranking um dos fatores a determinar a posição, mas não o único. Araújo comenta que buscará dar atenção a séries novas, deixando-as acima de séries populares e já pré-estabelecidas, por exemplo.

Perguntamos então sobre como a popularidade de uma pessoa que escreve pode influenciar a votação diretamente, como um roteirista que também atua como influencer, por exemplo, e quais formas de controle para evitar este tipo de situação ocorra, visto que a popularidade está diretamente atrelada à remuneração. Araújo nos disse que, no momento, não tem uma resposta para isso, mas que caso se mostre um problema, buscará contorná-lo para deixar a votação o mais justa possível. Também comentou que busca criar uma mentalidade de “foco na qualidade do próprio trabalho”, para que uma pessoa não se desmotive porque sua presença digital não é tão grande quanto a de um colega da revista.

Por fim, Araújo ressalta que todos esses assuntos abordados fazem parte da mentalidade da iniciativa atualmente, estando aberta a mudanças de acordo com as adaptações necessárias para o projeto funcionar.

A Shonen West já lançou sua primeira edição, atualmente gratuita, contando com os quadrinhos: Kintsugi Warrior, de Josh Dunbar; Blue Steel, de Sr. Inkman; Jonas: O Quase Mago, de Victor Bardo; Tamers, de Matheus Avanço, Mauricio Ossamu e Eruru; e Garotas da Terra, de Guilherme Junior.

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